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CAXIAS ENTRISTECIDA: LUZIA CASTELO BRANCO DA CRUZ

LUZIA CASTELO BRANCO DA CRUZ
(Caxias – MA, 06/10/1918 – Caxias, 10/09/2022)

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Ela nasceu em 6 de outubro de 1918, exatamente um mês após o fim da 1ª Guerra Mundial, ocorrido em 11 de novembro daquele ano.

E neste 10 de setembro de 2022, faltando menos de um mês para completar seus 104 anos, Dª Luzia Castelo Branco da Cruz deixa a Vida deste lado de cá e deixa Caxias, o Maranhão e o mundo na condição de uma das mais longevas testemunhas destes paradoxais tempos, desde o pós-guerra de 1914-1918.

Toda pessoa que morre é, antes de tudo, uma perda humana para sua Família. Para a Sociedade, a Cultura, a História, é uma biblioteca viva que se (es)vai.

Quanto de memória não teria essa Senhora que venceu o século! Que lembranças tinha de sua infância mais remota? Do que brincava? O que sonhava? Como foi testemunhar a morte ou mudança de vida de tantos familiares próximos?

O que pensava, o que desejava Luzia Castelo? Que “coisas” gostaria de ver em sua cidade e do que não gostava? Que vontades se realizaram e que esperanças ficaram — até o fim — à espera?

Que pequenas coisas a atraíam e que grandes causas a apaixonavam? Que amores viveu, ainda que dentro de si, e a quantos olhares e propostas não correspondeu ou atendeu?

Que berços embalou, a que (a)braços se entregou, em que faces mil beijos selou?

De que conversas gostava, de que anedotas sorriu, que músicas lhe tocava, que filmes e imagens viu?

Todo caixão é pequeno para uma mulher com tanta vivência assim…

Por isso é que toda sociedade de vergonha e respeito pelos muito mais velhos deveria enterrar-lhes apenas os corpos, não a memória, as lembranças, os feitos, o vivido, o sentido, o imaginado, falado, proposto, experienciado…

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Conheci há muito tempo Dª Luzia — afinal, uma mulher centenária, por sua permanência no tempo, naturalmente se faz conhecer por seus conterrâneos e contemporâneos.

Das vezes que seu sobrinho e ex-governador João Castelo Ribeiro Gonçalves anualmente convidava (a mim e a muitos mais) para os ofícios religiosos e as comemorações seculares do Dia de Santa Luzia, aqui e acolá me aproximava daquela Lady. Dirigia-lhe palavras poucas, protocolares, quase tímidas. Fui vê-la depois em evento em 2017, na praça que leva o nome de seu famoso tio, o escritor e jornalista caxiense e referência literária em Porto Velho (RO) Joaquim Vespasiano Ramos, do qual era a única sobrinha viva.

Dª Luzia era filha de Dª Almerinda Caldas Ramos e de João Castelo Branco da Cruz, casal que teve doze filhos — “mezzo a mezzo”: seis mulheres e seis homens. No Banco do Brasil de Caxias, onde fui o primeiro menor estagiário, trabalhei anos com um dos irmãos de Dª Luíza, o Lauro Castelo Branco da Cruz, sempre vestido com calça azul-escuro, camisa branca de mangas compridas e gravata azul, sem paletó, óculos grosso no rosto. Com a irmã Berenice Castelo Branco da Cruz, Luzia foi sócia na empresa Castelo Branco & Cruz Ltda., oficialmente aberta em 1997 e já extinta. A idade e consequentes problemas na saúde levaram-na a deixar de exercer os atos de caráter patrimonial e negocial, que ficaram sob a curadoria de outro membro da família.

No centenário de Luzia Castelo, uma médica de Teresina (PI) alegrava-se com a inexistência de distúrbios cerebrais. Ela registrou em foto: “Minha amiga Luzia Castelo Branco da Cruz. 100 anos. Sem Alzheimer.”

Luzia Castelo Branco da Cruz era também reconhecida por seus dotes culinários. De modo particular, a gastronomia luziense se destacava sobremodo com os doces, cafés e bolos. Muita gente se lembra do quanto de esmero e gostosura havia no que ela e a irmã Antonieta Castelo faziam: do “A” de “arroz”, “B” de “bacuri”, “C” de “caju”, era um rico e saboroso alfabeto de iguarias, um abecedário de guloseimas. Cuscuz de arroz e de milho, doce de bacuri em calda (inclusive as “línguas” da polpa dessa fruta), doces de caju e de seu irmãozinho o cajuí, pequeno, gostoso… mas de um agradável azedo de fechar os olhos… E não esquecer a goiaba e a mangaba, que igualmente e docemente rimavam na cozinha das irmãs Castelo. Nos saberes e sabores de Luzia e Antonieta embebeu-se a sobrinha Maria Castelo de Araújo Lima (13/11/1936 – 09/06/2006), a talentosa culinarista caxiense, conhecida e reconhecida como famosa quituteira do Maranhão, fundadora do Varanda, restaurante no bairro Monte Castelo, em São Luís (MA), referência de cozinha regional para brasileiros de diversos pontos do País e em especial de São Luís, onde Maria morreu e deixou legado para a família.

Luzia Castelo também foi professora em Caxias. Uma ex-aluna, a advogada e administradora Adailma Medeiros, que mora há décadas no Rio de Janeiro, recorda-se saudosa e pesarosa da antiga mestra. A professora Luzia viajou para a capital fluminense, onde residiu por anos, e sua vaga na escola foi preenchida por outra professora igualmente querida, Raimunda Maria (com quem tive aulas no Ensino Médio do Colégio São José e por quem, como presidente do Grêmio durante três anos, era procurado para auxiliar a esforçada docente em atividades extracurriculares ligadas à religião, com o grupo GEN – Geração Nova, do Movimento dos Focolares ou Obra de Maria, fundado pela italiana Chiara Lubich em 1943).

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Este réquiem verbal para Dª Luzia Castelo Branco é uma nesga, pequeno retalho ou recorte, da imensidade discreta da secular caxiense no tecido social de sua cidade e estado.

Que, após mais de cem anos de existência, mereça Dª Luzia o descanso que a Vida do lado de lá diz que propicia. Mas ela, certamente, não se negará a fazer doces, bolos e sucos insuperáveis, proporcionando novos e gostosos usos para os manás e as ambrosias existentes no Céu.

Os seres celestiais com certeza entoarão hinos…

Vá em Paz, Dona Luzia.

EDMILSON SANCHES
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Categoria: Notícias