BRASÍLIA EM FOCO: Congresso tira precatórios da regra fiscal e abre espaço para mais gastos do governo

O Congresso Nacional está prestes a resolver um dos maiores problemas fiscais do governo: o risco de um apagão orçamentário provocado pela reinclusão dos precatórios no limite de gastos do arcabouço fiscal.

O ministro Fernando Haddad, da Fazenda, e o presidente Lula: PEC 66/2023 tira precatórios do limite de gastos do arcabouço fiscal. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

 

 

Precatórios são dívidas do governo, com empresas ou pessoas, reconhecidas definitivamente pela Justiça. Caso o Senado Federal aprove a proposta de emenda à Constituição (PEC) 66/2023, os precatórios federais deixarão de ser contabilizados no limite de gastos do arcabouço fiscal a partir de 2026. Além disso, grande parte desses dispêndios ficará de fora da meta de resultado primário do mesmo arcabouço.

 

 

 

 

Na prática, a medida abre espaço no Orçamento, reduzindo a chance de colapso nas contas públicas. O governo, que antes teria de promover uma economia radical de recursos para conseguir pagar os precatórios dentro das regras, não terá mais esse compromisso.

 

 

 

 

A PEC 66 já passou pela Câmara e foi aprovada em primeiro turno no Senado, por 62 votos a 4. Falta apenas a votação em segundo turno e a consequente promulgação pelo Congresso para que as novas regras entrem em vigor — emendas constitucionais dispensam sanção presidencial.

 

 

 

 

O que muda no pagamento de precatórios com a PEC 66/2023

 

 

 

 

Pelas regras do arcabouço, que é o regime fiscal vigente, o aumento das despesas do governo não pode superar 2,5% ao ano em termos reais (descontada a inflação). É desse limite de gastos que o pagamento de precatórios será excluído de 2026 em diante, se a PEC 66/2023 for aprovada em definitivo pelo Congresso.

 

 

 

 

Mas o arcabouço também tem outra diretriz, que é a meta de resultado primário. A meta de 2025, por exemplo, é de resultado zero (nem superávit, nem déficit), mas com tolerância de 0,25% do PIB. A de 2026 é de superávit de 0,25% do PIB, com a mesma tolerância.

 

 

 

 

Pela sistemática de precatórios em vigor hoje, que é provisória, nem toda a despesa com eles entra na meta. Uma decisão do STF de 2023 (leia mais abaixo) autorizou o governo a pagar parte dos precatórios à margem da regra fiscal até 2026. Graças a essa autorização, no ano que vem quase metade da despesa total ficaria de fora das regras do arcabouço. A partir de 2027, porém, 100% do dispêndio voltaria à contabilidade.

 

 

 

 

A PEC 66 torna essa reincorporação muito mais suave. Com ela, a partir de 2027 os precatórios voltam a ser contabilizados na meta fiscal do arcabouço, mas a conta-gotas, com incorporação de 10% a cada ano. Assim, em 2027 apenas 10% do gasto com precatórios será incluído na meta (e não 100%, como era esperado). Em 2028, 20%. E assim por diante, até completar 100%. No curto prazo, é um alívio gigante para o governo.

 

 

 

 

Qual o custo do “favor” do Congresso com a PEC 66/2023

 

 

 

 

Esse “favor” do Congresso, no entanto, terá consequências. Gilberto Badaró, advogado especialista em precatórios e sócio do Badaró Almeida & Advogados Associados, afirma que a retirada dos precatórios da meta fiscal representa um retrocesso e traz instabilidade jurídica e fiscal, além de perda de credibilidade para o governo.

 

 

 

 

“Ao excluir essas dívidas da contabilidade oficial, o governo sinaliza que o cumprimento de decisões judiciais pode ser postergado conforme a conveniência fiscal, o que gera insegurança jurídica e enfraquece a confiança no Estado”, afirma.

 

 

 

 

A instabilidade prejudica diretamente os credores — pessoas físicas e jurídicas que chegam a falir diante do adiamento, por décadas, no pagamento dos precatórios. Além disso, causa desorganização no mercado, favorecendo deságios e desvalorizações abusivas.

 

 

 

 

“A medida afasta investidores do país, que enxergam com preocupação um ambiente onde até mesmo sentenças judiciais deixam de ser prioridade”, alerta Badaró, que ainda pontua que precatório não é gasto discricionário ou não obrigatório. “É dívida reconhecida pela Justiça e deve ser tratada com seriedade, como determina a Constituição”, conclui.

 

 

 

Além de aliviar o limite de gastos do governo federal, a PEC institucionaliza a prorrogação indefinida para o parcelamento de precatórios estaduais e municipais e permite que os entes subnacionais renegociem suas dívidas com o INSS em condições bastante amenas, entre outras benesses (saiba mais aqui)

 

 

 

 

Precatórios eram “vilões” de apagão do governo a partir de 2027

 

 

 

 

O alívio para o Executivo com a retirada dos precatórios da meta fiscal se deve a estimativas de que, já em 2027, esses pagamentos passariam a corroer boa parte do orçamento das despesas discricionárias — ou livres — do governo federal.

 

 

 

 

Já naquele ano, o crescimento dos gastos obrigatórios e discricionários, somado ao volume de precatórios, colocaria em xeque a capacidade operativa do governo, que, por sua vez, resiste a cortar despesas e ajustar as contas públicas.

 

 

 

 

As ameaças eram de uma paralisia orçamentária, já que o Executivo não teria espaço fiscal para cumprir os pisos de educação e saúde, entre outros, como mostrado pela Gazeta do Povo.

 

 

 

 

As idas e vindas dos precatórios desde 2021

 

 

 

 

A PEC 66/2023 representa um novo capítulo na novela dos precatórios federais, que começou em 2021, durante o governo Bolsonaro. Na época, duas emendas constitucionais alteraram a forma de pagamento desses débitos.

 

 

 

 

Emendas constitucionais de 2021 mudaram regras e criaram teto para precatórios

 

 

 

 

A EC 113 criou um teto anual para o pagamento de precatórios, limitando o valor a ser quitado por ano – e empurrando o restante para a frente. Foi uma forma de enfrentar o que o então ministro da Economia, Paulo Guedes, apelidou de “meteoro”.

 

 

 

 

A mudança abriu espaço para outros gastos do governo dali em diante. E deu origem a uma bola de neve de dívidas com pessoas físicas e jurídicas. Isso porque, a cada ano, aos precatórios remanescentes do exercício anterior somavam-se novos precatórios emitidos pela Justiça. O montante devido, portanto, cresceria cada vez mais rápido.

 

 

 

 

A mesma emenda mudou a forma de atualização monetária das dívidas, estabelecendo que passariam a ser corrigidas pela Selic (em vez de índices de inflação mais juros).

 

 

 

A EC 114, enquanto isso, alterou a ordem de pagamento dos precatórios: priorizou os de menor valor e os de natureza alimentícia (como aposentadorias, salários e indenizações por morte ou invalidez). Criou a possibilidade de acordo com deságio para o credor receber antecipadamente. E ampliou hipóteses de parcelamento para grandes valores.

 

 

 

 

STF acabou com teto e liberou governo a pagar precatórios fora da regra fiscal

 

 

 

 

As ECs 113 e 114 foram questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7064.

 

 

 

 

Em maio de 2023, a Corte decidiu que era inconstitucional o teto para o pagamento de precatórios, por entender que a restrição violava direitos individuais e o princípio de que as sentenças judiciais devem ser cumpridas integralmente, sem prejuízo aos credores.

 

 

 

 

Com a decisão, o STF autorizou o governo a regularizar os pagamentos que estavam retidos por meio de créditos extraordinários – na prática, emissão de dívida.

 

 

 

Os ministros determinaram que tanto os precatórios represados pelo teto quanto os novos deveriam ser pagos integralmente, mas autorizou que essa quitação fosse feita fora dos limites fiscais até 2026. Ou seja, tais despesas não entrariam na conta do teto de gastos (o antigo regime fiscal) nem no novo arcabouço fiscal.

 

 

 

 

Precatórios retornariam à regra fiscal em 2027. Com a PEC 66/2023, não será bem assim

 

 

 

 

Pela decisão do STF, os precatórios voltariam a ser pagos dentro do limite oficial de despesas a partir de 2027. O que limitaria o espaço fiscal do governo para outros gastos.

 

 

 

 

O que a PEC 66/2023 faz é inscrever na Constituição que os pagamentos de precatórios serão feitos fora do limite de gastos do arcabouço fiscal, além de serem paulatinamente (e não de uma vez) reincluidos no cálculo da meta de resultado primário.

 

 

 

 

Além disso, a PEC altera a regra de correção pela Selic que foi estabelecida pela EC 113: a nova proposta prevê atualização anual de 2% acima da inflação (IPCA + 2%).

 

 

 

 

Na prática, ao reduzir a correção dos precatórios, a PEC 66 impõe mais uma perda aos credores. Esses serão os efeitos caso a proposta seja aprovada em segundo turno pelo Senado.

 

 

 

 

Precatórios foram quitados com emissão de dívida pública

 

 

 

 

Após a decisão do STF, em 2023, o governo quitou os precatórios de 2022 que estavam atrasados, pagou os de 2023 e adiantou parte dos de 2024, todos fora do limite de despesas do antigo teto de gastos e do novo arcabouço fiscal. Para 2025 e 2026, a regra seria a mesma: precatórios fora da meta.

 

 

 

 

Esses créditos extraordinários foram cobertos por emissão de dívida pública, contraída pelo Tesouro para financiar o déficit orçamentário do governo federal. Em junho deste ano, segundo o Banco Central, a dívida pública chegou a 76,6% do PIB.

 

 

 

 

O pagamento acumulado dos precatórios acabou sendo um dos fatores determinantes para o crescimento econômico acima do esperado em 2023 e 2024, segundo economistas.

Com Informações: https://www.gazetadopovo.com.br

Categoria: Notícias