Professor Passinho
Por Edmilson Sanches, jornalista e escritor.
MANOEL DE PÁSCOA, O PASSINHO
As coisas estão perdendo sua essência. Seria possível que nós, as pessoas, também a estejamos perdendo?
Vejam só: Já existe cerveja sem álcool, manteiga sem gordura. Já existe cigarro sem nicotina, coca sem cocaína e até café sem cafeína. Poderia existir o humano sem humanidade? Seria possível? Afinal, ser humano é a única razão — humana — de ser.
Será que aquilo que a Ciência e a Tecnologia extraem, extirpam, anulam na estrutura das coisas a Vida e seu Cotidiano poderiam eliminar, destruir, extinguir na alma das gentes? Os registros das guerras, as barbaridades dos crimes, os atos de terrorismo, as “limpezas” étnicas, o desrespeito de crianças e adolescentes a pais e professores, a agressão e a fúria assassina contra mulheres, entre outros registros e formas de violência, nos induzem a acreditar que, sim e lamentavelmente, a Humanidade parece estar cada dia menos humana.
A troco de quê estamos nos tornando desumanos, ou não humanos? Qual o mérito disso? Que vantagem levamos nisso?
Somos criaturas frágeis. Vivemos pouco — no Brasil, em média 74,9 anos, pelas acreditadas estatísticas oficiais. Portanto, daí pra diante, é saldo. Enquanto isso, uma tartaruga chega fácil aos mais de 200 anos, uma sequoia, um baobá, um jequitibá transbordam, transpõem, transpassam a casa do milênio…
Deste modo, têm razão o escritor e ex-primeiro ministro britânico do século 19 Benjamin Disraeli quando observa: “Life is too short to be little” — “A vida é curta demais para ser miúda”. Portanto, e mais uma vez: somos frágeis na Vida, somos poucos no Tempo. E por que a única criatura feita à imagem e semelhança do Criador é tão balda, tão rala, tão falta, tão rareada de vida? Quem sabe seja porque, onde nos é escasso em quantidade de vida, podemos acrescentar em intensidade no viver.
Intensidade, Senhoras e Senhores, intensidade… Há a intensidade que é brilho, própria da iluminação. E há a intensidade que é entrega, própria da dedicação.
Em solenidade da Asleama, da esquerda para a direita, Edmilson Sanches (discurso de recepção
a Dom Vilsom Basso), Dom Vilsom Basso, o presidente Edison Amâncio e o fundador e presidente de honra da Asleama, Manoel De Páscoa M. Teixeira
Intensidade… Dedicação… Solidariedade… Estas são, portanto, as palavras com que, neste momento, qualifico o grande caxiense que Caxias perdeu hoje para os Céus: Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira, o Professor Passinho, faleceu na madrugada deste 20 de junho de 2017.
A dedicação de Passinho é um tanto amor e outro tanto trabalho. Dedicação e disposição para fazer Caxias crescer naquilo que ela tem de mais representativo: sua Cultura, sua História, sua Espiritualidade.
Dizem que o menor frasco contém o melhor perfume. Esse provérbio, de tanto que se tornou comum, parece já ser gasto. Sim, até pode ser gasto… mas nunca perdeu o cheiro.
Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira era, à primeira vista, um pequeno frasco. Nem parecia ser o gigante que era, gigante em talento, em entrega, devotamento, caridade, e uma enorme força interior. Seu corpo franzino não traduzia ou revelava a enorme quantidade de energia realizadora que ele, verdadeira turbina humana, tinha e mantinha dentro de si.
Manoel de Páscoa, ser de espiritualidade e oração, humanidade e coração, há muito sabia que ele era portador de todos os motivos para não fazer o que ele há anos senão décadas vinha fazendo em e por nossa cidade. Muitos, com muito menos daquilo que o acomete, já teriam desistido ou sequer iniciado e nisso se desculpariam e se prostrariam pelos cantos, em um processo de autovitimização que Manoel de Páscoa dele sequer tomou conhecimento.
O barro edênico e o hálito divino em que Manoel de Páscoa foi amalgamado permitiu a ele certos aparentes excessos. Manoel de Páscoa não foi buscar questionamentos — ele trouxe respostas. Não foi apontar culpados — ele assumiu seu próprio dever, ou o que ele cria ser de sua obrigação.
Homem versado em Filosofia e Teologia, professor de gerações, ele sabia que não fazer também é gostoso, é gostoso ser preguiçoso. Falam até em ócio com dignidade. Mas não se entregou a isso, não se impregnou com nada disso.
Manoel de Páscoa sabia que culpar é cômodo — desde os bíblicos tempos, no Gênesis. Sim: estava ali Adão e Eva, no jardim do Éden, perturbados pelo desobediência que tinham acabado de cometer, pela desordem que haviam acabado de iniciaram. Aí Deus, prévia, presente e postumamente sabedor de todas as coisas, questionou Adão: “O que fizeste?” Adão culpa Eva. O Todo-Poderoso pergunta: “E aí, Eva?” A mulher responde: “A culpa é da cobra”.
É fácil transferir culpas. É conveniente apontar falhas. O incomum, é assumir responsabilidades. Com prejuízo de seu tempo e recursos e, sobretudo, de sua saúde, Manoel de Páscoa, que era nosso Confrade no Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, doou-se em pensar, formatar, estruturar, convencer e convidar, até enfim materializar, há sete anos, o sonho da Academia Sertaneja de Letras, Educação e Artes do Maranhão — a Asleama, seu sonho com forma e conteúdo. Para os padrões de entidades do gênero, é pouco tempo para o muito de coisa que na Asleama já foi feito. E, apesar da ausência física de Manoel de Páscoa, mas sob a inspiração de seu exemplo, mais feitos hão de vir nos dias que virão.
Sete anos atrás, Manoel de Páscoa poderia ter ficado deitado em berço esplêndido, curtindo o fato de que, entre seus familiares, já houve aqueles que se dedicaram o suficiente para os outros, para o país, para sua cidade. Gente que enfrentou a incompreensão, a ameaça, a repressão. Raimundo Teixeira Mendes, por exemplo, de quem Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira é parente e por quem Manoel de Páscoa cultiva real admiração, pois Teixeira Mendes não é e nunca foi apenas o citado autor da Bandeira Brasileira, mas, muito mais, o talentoso e enérgico defensor de tantas causas sociais que beneficiaram e beneficiam tantos e todos os brasileiros até hoje, embora sem o justo crédito ou conhecimento, inclusive na terra dele e minha, que é a nossa terra — Caxias e o Maranhão.
Manoel de Páscoa foi esse Davi na coragem de lutar e vencer e foi esse Golias no tamanho de suas vitórias.
Manoel de Páscoa foi esse perfume pequeno no frasco mas enorme no valor.
Manoel de Páscoa foi esse aço na têmpera e foi essa lágrima na emoção.
Manoel de Páscoa foi o humilde em oração, quando falava com Deus. E era esse humano em coração, quando conversava com a gente.
Se toda grande caminhada começou com um passo, uma grande realização — a Asleama — se iniciou com um Passinho.
Recentemente, em maio, o incansável Manoel de Páscoa assumiu mais uma vez a presidência da Asleama, entidade que ele fundou, presidiu, organizou, deu-lhe estatura e da qual, agora, torna-se exemplo e inspiração permanentes. Na festa dos cinco anos da Asleama, pude presenciar o sadio orgulho de Manoel de Páscoa como o acadêmico que se sentia feliz ante a Academia que fez…
…Assim como Deus, o Criador, se orgulha de Manoel de Páscoa, sua criatura.
Parabéns pelo trabalho, Manoel de Páscoa! Parabéns pela grande vida que viveu, dedicando-a mais em função do outro do que de si.
Manoel de Páscoa: Você trabalhou com ou para as Letras, a Educação, as Artes, a Cultura, a Fé. E elas são a essência que nós humanos deveríamos ter e manter, o humanismo que a Humanidade não pode perder.
Se quisermos honrar a memória de Manoel de Páscoa, sejamos fraternos, solidários.
Sejamos trabalhadores, operários.
Sejamos fortes.
Sobretudo, sejamos felizes.
Pois isso é o que Manoel de Páscoa do Alto roga por nós, em oração.
E por mais esse gesto de amor e desprendimento de Passinho, as palmas são para ele.
E com elas, o compromisso de nós todos de não nos esquecermos desse Confrade,
Conterrâneo e Amigo.
O compromisso de nós todos de não esquecermos — e, quando possível, seguirmos — o seu exemplo.
Descanse em paz, Passinho, aí no Céu.
Pois, aqui na terra, todas as tuas dores, todas as tuas canseiras, todos os teus sonhos… tudo isso agora é tarefa nossa.
FONTE: http://www.blogdosaba.com.br/VIA EDMILSON SANCHES
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